O modo como, recentemente, um meu caríssimo amigo viveu a sua doença e os últimos momentos da sua vida terrena veio reforçar em mim a certeza de que a vida tem valor e sentido mesmo quando marcada pela doença e até ao seu termo natural.

Desde que se manifestou essa doença, esse meu amigo partilhou com um grande grupo de outros seus amigos as suas lutas e sucessos, os altos e baixos de um tratamento que durou anos, sempre com coragem, esperança e confiança nos médicos que o assistiam. Quando chegou à conclusão de que da medicina já nada mais havia a esperar, convidou todos os seus amigos (que encheram uma igreja) para uma missa de ação de graças por tudo o que a vida lhe tinha dado. Não se revoltou por terminar a sua vida terrena precocemente, quando se pensaria que muito ainda poderia dar à família e à sociedade (sempre foi muito ativo no âmbito social e político), nem pela inglória derrota da árdua luta contra a doença. Agradeceu pelo muito que recebeu e não se revoltou pelo pouco que perdeu. Este seu testemunho sensibilizou muito esse grande grupo de amigos, que nele viram uma verdadeira lição de vida. Concluímos que este testemunho e esta lição foram tão ou mais proveitosos e fecundos do que as muitas ações de empenho social que preencheram a vida deste meu amigo. Vimos reforçada a convicção de que a vida tem valor e sentido mesmo quando marcada pela doença e até ao seu termo natural.

Em claro contraste com este princípio, parece estar, na altura em que escrevo, prestes a ser definitivamente aprovada a legalização da eutanásia em Portugal. Essa legalização parte do princípio oposto: o de que a vida perde dignidade e valor quando marcada pela doença (segundo a versão da lei agora aprovada, pode tratar-se até de uma doença incurável não terminal) e pelo sofrimento. A mensagem cultural daqui resultante leva a desistir de combater a doença e o sofrimento e de para eles encontrar um sentido, quando eles são inevitáveis (e isso pode suceder a qualquer momento da vida, não apenas no seu fim), como se a morte provocada fosse a resposta. 

Nesta revista publicamos uma entrevista a uma especialista em cuidados paliativos, brasileira. Os cuidados paliativos (a que ainda não têm acesso, como deveriam ter, a maioria dos portugueses) permitem eliminar a dor física intolerável e aliviá-la. Mas permitem também, como revela essa entrevista, ajudar a descobrir o valor e sentido dos últimos momentos da vida, que pode ser até mais intenso e decisivo do que qualquer outro, mesmo para quem não crê na ressurreição.

É claro que a perspetiva da fé na ressurreição e na vida eterna é o que mais ajuda a descobrir esse valor e esse sentido. Assim sucedeu com o meu amigo a que me referi. Com essa perspetiva, disse recentemente (na audiência do dia 10 de agosto) o Papa Francisco: «A nossa existência na Terra é o tempo da iniciação à vida: é vida, mas que te leva em frente para uma existência mais plena, é a iniciação à vida mais plena; uma vida que só em Deus encontra o cumprimento».  Por isso, o passar do tempo na velhice, «não é uma ameaça, mas uma promessa», pois «o melhor ainda está para vir».

> Artigo publicado no editorial da Revista Cidade Nova  de outubro de 2022

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