PERDA de entes queridos, quarentena, trabalho remoto, problemas financeiros, desemprego, rotinas estressantes, incertezas: de um modo ou de outro, a pandemia do novo coronavírus mudou radicalmente a vida de todos e trouxe com ela a expectativa por dias melhores.
As medidas restritivas adotadas em todas as latitudes foram o amargo e necessário remédio
para desacelerar o avanço da doença e evitar um número ainda maior de mortes – que já superavam 1,3 milhão em todo o mundo e 164 mil no Brasil até o fechamento desta edição.
Mas o surgimento de uma segunda onda de contaminações na Europa e o aumento da ocupação de leitos de UTIs em diversas cidades brasileiras evidenciam que somente a vacinação em massa proporcionará uma solução definitiva para o problema, descontadas as possíveis mutações virais.
Laboratórios de diversos países têm corrido contra o tempo em busca de uma vacina segura e eficaz. Segundo boletim periódico da Organização Mundial da Saúde, no dia 12 de novembro – data em que Cidade Nova teve acesso ao documento –, havia 212 vacinas em desenvolvimento em todo o mundo, das quais 48 em testes clínicos. Dessas últimas, 12 se encontravam na fase 3, quando sua eficácia é verificada por meio da aplicação em amostras de milhares de pessoas.
Uma vez que as vacinas tenham sido finalmente aprovadas, começará a distribuição das doses, que inicialmente deverão ser suficientes para atender apenas aos grupos de risco, segundo especialistas ouvidos por Cidade Nova.
Posteriormente, a cobertura deverá ser aumentada, até que se alcance uma imunização populacional que viabilize o fim do distanciamento social.
Todos devem ser vacinados?
Estudo publicado em julho por Sarah M. Bartsch e um grupo de cientistas no American Journal of Preventive Medicine evidenciou que a proporção da população a ser vacinada depende da eficácia da vacina utilizada. Num cenário em que a pandemia estivesse apenas começando, uma vacina com 70% de eficácia demandaria a imunização de 75% da população. Se apenas 60% das pessoas recebessem o imunizante, a eficácia deveria ser superior a 80%. Esses números pressupõem que cada sujeito doente infecte em média 2,5 outras pessoas.
À base dessas projeções está a ideia de que se deve reduzir ao máximo a probabilidade de que o vírus “encontre” novas pessoas para infectar. Por isso, a decisão quanto à obrigatoriedade da vacinação, embora se dê na esfera política, deve ter fundamentos estritamente científicos.
“Se a ciência demonstrar que a vacinação obrigatória é capaz de realizar um efetivo bloqueio da pandemia, colocar que ela deva ser obrigatória será natural, porque esse interesse da saúde coletiva está acima de um debate negativamente politizado sobre as liberdades individuais. Um debate falso na verdade, porque não há liberdade sem vida”, afirma Eno Dias de Castro Filho, doutor em epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Notícias falsas
Aqui mais uma vez o tema das notícias falsas vem à tona. Segundo um levantamento publicado em agosto pela União Pró-Vacina (UPV), da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, houve um aumento de 383% em publicações de conteúdo falso ou distorcido na internet sobre a vacina contra a Covid-19 em relação ao mês anterior. Ainda segundo a pesquisa, o conteúdo nacional que mais teve interações no Facebook em setembro foi um vídeo alarmista, baseado em mentiras sobre o tema.
Nathalia Pereira da Silva Leite, membro da UPV, critica a circulação de “teorias de conspiração descabidas, que possuem teor xenofóbico”, sobretudo no que se refere à vacina desenvolvida por um laboratório chinês em parceria com o Instituto Butantã. “Todos os estudos clínicos estão disponibilizados em bancos de dados abertos, há transparência em todos os resultados, que se mostram muito positivos. Todo o processo de desenvolvimento está sendo acompanhado por especialistas e pesquisadores extremamente competentes”, argumenta Leite.
Por isso, segundo especialistas, quando chegar o momento da imunização, as pessoas podem ficar despreocupadas quanto à origem da vacina. É o que explica Josilene Dettoni, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. “Quando tomam uma medicação, as pessoas nem se perguntam quem fez, como foi feita. Há muitos insumos farmacêuticos que vêm da China. Então provavelmente as pessoas já tomaram remédios com insumos que vieram de lá e nem se deram conta. Além disso, todo o processo para aprovação de uma vacina passa por um trâmite científico rigoroso”, afirma Dettoni, que é professora da Universidade Federal de Rondônia.
Infecções em alta
Nos últimos anos, a queda nos índices de vacinação contra doenças infecciosas antes controladas têm preocupado cientistas e autoridades. Para citar apenas um exemplo, dados do Ministério da Saúde indicam que a taxa de cobertura da tríplice viral, que alcançava 96% das crianças em 2015, baixou para 84% em 2017 e abriu caminho para o retorno do sarampo, que havia sido erradicado no Brasil. Ainda de acordo com informações divulgadas pelo Programa Nacional de Imunizações em 2018, entre as razões para a queda estão a percepção enganosa de que as doenças desapareceram, o medo de que as vacinas causem reações prejudiciais ao organismo e a falta de tempo das pessoas para ir aos postos de saúde.
Para Fabrício Andrade Martins Esteves, doutor em Biologia Aplicada à Saúde pela UFPE e coordenador do Programa de Pós-graduação em Hematologia e Hemoterapia do Centro Universitário Tabosa de Almeida (ASCES-UNITA), devem-se retomar estratégias eficazes para reverter esse quadro; além disso, deve-se desenvolver um amplo programa de imunização contra a Covid-19, assim que uma vacina eficaz e segura estiver disponível. “A pandemia demonstrou o quanto estamos ligados e o quanto o bem-estar do meu próximo reflete no meu bem-estar”,
afirma o biomédico. Mais do que nunca, vacinar-se é um ato de cidadania.
Daniel Fassa