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Celulares andam roubando a atenção de alunos em sala de aula; para reverter esse quadro professores usam a tecnologia a seu favor



Já nem causa mais espanto perceber como as novas gerações estão acostumadas com as novas tecnologias. Bebês já buscam o deslize de tela com os dedinhos, adolescentes ensinam mães, pais, tios e avós a lidar com computadores e celulares, jovens estudam para o vestibular com o YouTube ligado e buscam respostas para suas dúvidas sem esperar pela explicação do professor no dia seguinte. Isso sem falar da infinidade de estímulos que as novas gerações recebem em seus smartphones com redes sociais, jogos, muitos vídeos, e por aí vai.

Nem precisaríamos dizer tudo isso para você imaginar o quão desafiador é para um professor capturar a atenção do aluno dentro de uma sala de aula, com exposições orais, livros sem movimento e em ambiente de quatro paredes. Não são raros os desabafos sobre “perder” o aluno em poucos minutos para o celular e ter que lidar com a falta de atenção e de foco dos novos aprendizes. Mas, afinal, há realmente uma relação de causa e efeito entre o uso das novas tecnologias e essa falta de foco e concentração?

Pode parecer surpreendente, mas, até o momento, ao que tudo indica, nenhuma pesquisa científica conseguiu comprovar isso. A que chegou mais próxima afirmou apenas que adolescentes que utilizam frequentemente cerca de 14 plataformas digitais apresentam duas vezes mais os sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) do que a média mundial.

No entanto, os pesquisadores destacam que não se trata de uma relação de causa e efeito. Na verdade, quem já apresenta sintomas de TDAH pode ter esses sintomas agravados com o uso frequente de novas tecnologias. A pesquisa foi desenvolvida na Universidade do Sul da Califórnia e publicada neste ano no Journal of the American Medical Association.


Qual seria, então, a outra explicação para a desatenção advertida por educadores? Quem nos dá uma chave para essa análise é a pedagoga Ana Claudia Loureiro, doutora em educação e professora da educação Básica e do Ensino Superior na área das Tecnologias Digitais.

Loureiro destaca, antes de tudo, que os alunos de hoje em dia são bem diferentes dos alunos de 20 anos atrás e já nasceram em um mundo completamente tecnológico. Eles têm a informação na palma da mão, e muitos autores dizem que os dispositivos digitais são verdadeiras “próteses” dessa nova geração.

“Em um mundo em que as transformações tecnológicas ocorrem de forma célere e inexorável, a educação não pode ficar alheia à sua área de influência. É preciso saber fazer bom uso das tecnologias de informação e comunicação na sala de aula. O que ocorre é que estamos no século 21 ensinando a jovens do século 21 com metodologias e tecnologias do século 20. Emerge­ a necessidade de aliar o potencial das novas tecnologias a novos paradigmas educacionais, de trabalhar com metodologias ativas, que colocam o aluno no centro da aprendizagem, tornando-o agente ativo desse processo”, reflete Loureiro.

Para a pedagoga, a falta de foco pode ser direcionada para projetos de pesquisa e compartilhamento de informações; a internet é um terreno vasto para exercitar essas competências.

A professora de Língua Portuguesa Jacqueline Fiorelli experimentou isso. Ao lecionar para alunos do nono ano do Ensino Fundamental, há algum tempo desenvolveu com eles uma comunidade virtual em que eles podem postar suas produções de texto. Os colegas de classe são convidados a contribuir com comentários para a melhoria da escrita.

“Isso gerou entre todos um maior comprometimento frente à tarefa e, sobretudo, atitude responsiva e colaborativa entre todos. A comunidade virtual que se criou deu novo sentido à comunidade física. Alunos que mal conversavam uns com os outros começaram a se aproximar por meio dos comentários que faziam nesse ambiente, gerando um clima de ajuda recíproca. Essa experiência me mostrou grande potencial que as ferramentas digitais têm, mas também a necessidade de que sejam incorporadas pelos professores de modo consciente e planejado”, enfatiza.

Nesse ponto, Loureiro afirma que, na área da educação, existem diversos cursos, conferências, grupos de discussão, estudos e pesquisas voltados ao assunto e que a adaptação desses modelos à sala de aula depende em parte da motivação pessoal de cada professor. Ela mesma é coordenadora de um curso de pós-graduação em Mediação Pedagógica e Tecnologias Educacionais para professores do Ensino Fundamental 2 e Médio.

A pediatra Gabriela Pavan também não acredita em papel de vilão ou mocinho das redes sociais, por exemplo, mas chama a atenção de pais e professores para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes com o uso correto e consciente das tecnologias.

“Na pediatria existe um conceito chamado de tempo de tela, que é o tempo que a criança ou o adolescente fica exposto à tela, seja TV, computador ou celular. (…) O cérebro da criança e do adolescente está em desenvolvimento e os estímulos adequados (ou a falta deles) ou mesmo o estresse influenciam nesse desenvolvimento. Um tempo de tela prolongado pode interferir em muitos pontos, inclusive no sono. O recomendado é não usar o celular (ou outra tela) de uma a duas horas antes de dormir, pois isso interfere na qualidade do nosso sono. E o sono adequado influencia muito no desempenho escolar das crianças, inclu­sive na falta de atenção”, pontua.

E quem lida com adolescentes e jovens todos os dias, como a professora Fiorelli e a pediatra Pavan, é unânime em dizer para conciliar a educação e novas tecnologias não basta incrementar o acesso à informação e trazer metodologias inovadoras para a sala de aula. É preciso auxiliar os alunos a desenvolver práticas sociais a partir do bom uso da tecnologia. “Estimular a utilização das redes sociais para publicar posts relacionados a assuntos educativos, por exemplo, discutir as questões de plágio, respeito e ciberbullying, o cuidado em se expor… tudo isso pode ser muito importante”, comenta Pavan.

“Precisamos auxiliar os alunos a ir na contramão desse mau uso das tecnologias, a utilizá-las como ferramentas por meio das quais podem ser estimuladas ações colaborativas, em que sujeitos constroem coletivamente o conhecimento. Isso sem mencionar outras ações: participar de forma construtiva e respeitosa das redes sociais, ter uma postura crítica e combativa às fake news, entre outras”, concluiu a professora.

A verdade é que estamos no olho do furacão, como dizem por aí. Ainda não temos o distanciamento necessário para analisar todos os impactos disruptivos que essas tecnologias provocam no comportamento humano.

Ainda que não haja uma comprovação científica entre a desatenção e a falta de foco em ambientes escolares, já experimentamos, como atestam as especialistas entrevistadas, que o caminho de um equilíbrio maior entre tudo isso passa certamente pela formação humana e social de nossas novas gerações, para serem capazes de refletir e repassar seus aprendizados para as gerações futuras.

Cibele Lana

*Matéria originalmente publicada na Revista Cidade Nova em maio de 2019

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